GESTÃO DO CONHECIMENTO É DETERMINANTE PARA ATUAIS E FUTURAS ESTRATÉGIAS DAS EMPRESAS

futureENTREVISTA
20 Revista O Papel – agosto/August 2016
Por Caroline Martin
Especial para O Papel

Embora conhecida e amplamente adotada por grandes companhias, a gestão do conhecimento é pouco difundida em boa parte do mercado nacional. O cenário econômico desafiador que se impõe à realidade atual distancia ainda mais as empresas brasileiras da implantação prática de um modelo organizacional apropriado – falha que acarreta em significativa perda de competitividade.
“Cada empresa precisa encontrar seus pontos críticos de produção e de diversas outras áreas para otimizá-los de todas as formas possíveis, a fim de tornar-se mais competitiva não só no mercado atual, mas também no futuro. Para isso, é fundamental conhecer as próprias entranhas. A gestão do conhecimento é o caminho para suprir todas essas necessidades. Conhecer a própria operação, de maneira plena, permite tomadas de decisões mais próximas do ideal”, aponta José Paulo Graciotti, consultor de Gestão do Conhecimento e sócio da Graciotti Assessoria Empresarial.
Na entrevista a seguir, ele aborda o surgimento e a evolução do conceito, fala sobre os métodos para colocá-lo em prática e enfatiza os motivos que fazem da gestão do conhecimento uma medida tão indispensável às empresas que pretendem conquistar um bom posicionamento no mercado de hoje e dos próximos anos.

“Ainda não se deu a devida importância à gestão do conhecimento, inclusive para sobreviver a períodos de crise como o que estamos vivendo”

O Papel – Como surgiu o conceito de gestão do conhecimento e quando as empresas realmente despertaram para a necessidade de criar modelos capazes de gerenciar informações de forma estratégica?
José Paulo Graciotti, consultor de Gestão do Conhecimento e sócio da Graciotti Assessoria Empresarial – A gestão do conhecimento teve início de maneira muito tímida, como uma forma de catalogar o conhecimento de modo mais organizado, incluindo indexação de documentos e contratos, mas acabou evoluindo e se modificando bastante nas últimas duas décadas. Partindo para um exemplo prático, considerando que um escritório de advocacia gaste dez horas  para redigir um documento pela primeira vez e que o orçamento do serviço se baseia em horas trabalhadas, o cliente pagaria um valor referente a essas dez horas de execução. Caso posteriormente outro cliente precise de um documento parecido com o já produzido, o escritório partiria daquela primeira versão, cuja produção levou dez horas, faria adaptações pertinentes às demandas do segundo cliente e criaria o documento em um tempo mais enxuto. Na fase inicial da aplicação prática da gestão do conhecimento, o prestador de serviço cobrava o mesmo valor do segundo cliente, a fim de obter maior rentabilidade. Com a chegada da crise de 2008, no entanto, o uso do conceito mudou de enfoque. Com um mercado mais competitivo e exigente, em meio a um contexto de muitas empresas adotando as mesmas técnicas, em vez de cobrar valores iguais para conseguir maior rentabilidade, o foco passou à descoberta de valores mais atrativos aos clientes, mais próximos às horas efetivamente gastas na realização do serviço. A gestão do conhecimento, então, começou a ser usada como uma forma de entender melhor os próprios custos, tornar-se mais competitivo e garantir a fidelidade dos clientes. Essa foi uma das grandes evoluções do conceito de gestão do conhecimento, que foi tomando corpo, principalmente quando escritórios norte-americanos passaram a usá-lo para otimizar suas propostas de serviços, além de ferramenta para a própria organização.

O Papel – Quais são os métodos mais atuais de gestão do conhecimento?
Graciotti – Dentro do modelo atual de gestão do conhecimento, há duas grandes vertentes. A primeira diz respeito à utilização do conhecimento apurado para alavancar a produtividade, a rentabilidade e a eficiência da empresa. Essa vertente tem um viés totalmente operacional, e cada organização adota suas próprias formas de colocá-la em prática. A segunda vertente, de
viés mais estratégico, parte do intuito de conhecer as próprias informações, incluindo as operacionais, financeiras e cadastrais, para, a partir delas, projetar as estratégias da empresa. A correta catalogação de todos esses assuntos e a justa perenização dessas informações são fundamentais para definir os planos estratégicos.
Ao fazer uma análise do perfil padrão dos clientes, por exemplo, verificando em quais setores se encontram, que tipos de serviços costumam demandar, qual é o percentual de faturamento de cada setor e cada serviço prestado, é possível chegar a uma fotografia do negócio e traçar estratégias de crescimento, de vendas, de contratação e assim por diante. Mais recentemente, essa vertente da gestão do conhecimento passou a abranger áreas diversas, até então voltadas basicamente ao departamento financeiro. Há alguns anos, a Business Intelligence (BI) era tratada como tema totalmente independente à gestão do conhecimento, mas hoje em dia as duas matérias estão se aproximando. O uso da BI pode ser feito para entender o faturamento e os demais números financeiros da empresa. Tudo isso representa métodos para conhecer as características da empresa a partir de dados dos quais dispõe e usá-los de forma a tornar a companhia mais competitiva no mercado.

“O patrocínio ideológico da alta direção é a chave para vencer as barreiras naturais do processo de implantação”

O Papel – Como se constrói a infraestrutura básica do armazenamento do conhecimento para que, em seguida, esse conteúdo seja gerenciado?
Graciotti – Existem tanto profissionais especialmente dedicados ao armazenamento de informações quanto empresas especializadas no desenvolvimento de métodos organizacionais, catalogação e demais ferramentas.
De qualquer forma, há basicamente cinco áreas da empresa a serem envolvidas para extrair o conhecimento necessário e organizá-lo de modo que outras pessoas possam utilizá-lo.
A primeira é a área de Recursos Humanos ou Gestão de Talentos, conforme definição estipulada pela empresa. Sob o enfoque de gestão de pessoas, o objetivo é motivar os funcionários e criar formas de fazer com que se conectem entre si e troquem conhecimento. A participação efetiva da área de gestão de pessoas, portanto, é responsável por promover o intercâmbio de conhecimento.
A participação do setor produtivo é igualmente importante. A equipe de produção de uma fábrica de papel, por exemplo, detém um conhecimento estratégico. São esses profissionais envolvidos na rotina operacional que devem indicar à empresa as informações estratégicas que precisam ser perenizadas e catalogadas.
A terceira participação fundamental é a da tecnologia, que deve estar aparelhada para o armazenamento das informações. Apesar de o desenvolvimento de sistemas específicos para catalogação de documentos ser bastante particular a cada empresa, a participação da equipe de TI é extremamente importante em quaisquer casos. Esse pessoal é responsável não só pela geração de sistemas voltados à obtenção e absorção do conhecimento em algum local seguro, mas também pela transformação de tudo isso em uma maneira utilizável, com um sistema de busca inteligente, de fácil acesso a quem procurar por tais informações no futuro.
A quarta participação envolve a alta gestão da empresa. É preciso trabalhar fortemente no aspecto motivacional e, para isso, contar com a participação efetiva dos gerentes, diretores e CEOs. O patrocínio ideológico da alta direção é a chave para vencer as barreiras naturais do processo de implantação.
Para completar, a quinta participação engloba os profissionais especialmente contratados para fazer a catalogação de todas as informações da empresa, o que inclui cadastros diversos. Esses profissionais são imprescindíveis para que se mantenha a qualidade das informações e sua homogeneização, gerando dados estratégicos confiáveis. É o trabalho e o envolvimento dessas cinco grandes áreas que farão uma empresa conseguir chegar à meta de extrair informações confiáveis e usá-las positivamente, tanto do lado operacional quanto estratégico, praticando gestão do conhecimento em prol de sua competitividade.

O Papel – Essas demandas mudam conforme o segmento de atuação da empresa? A gestão do conhecimento é mais desafiadora em segmentos industriais como o de celulose e papel, que, além da rotina dos escritórios, tem rotinas operacionais características às fábricas?
Graciotti – A diferença entre as empresas dos segmentos industriais e aquelas compostas apenas por escritórios está no fato de que, no primeiro caso, há uma gama maior de catalogação, indexação e organização do conhecimento explícito. O aspecto mais difícil da gestão do conhecimento dentro de uma indústria, contudo, consiste em catalogar o conhecimento tácito. Imaginando
que um profissional de uma fábrica de papel desenvolva um processo de branqueamento mais eficiente e menos custoso, é necessário que esse processo seja devidamente documentado e transformado em norma, a fim de evitar que o conhecimento se perca caso a pessoa ou os demais membros da equipe se desliguem da empresa. A iniciativa pode ter partido de um ou mais
profissionais da equipe produtiva, mas o conhecimento adquirido passa a ser de domínio da empresa. Eu diria, portanto, que um dos aspectos fundamentais da gestão do conhecimento das indústrias é criar métodos para catalogar o conhecimento tácito, que advém da experiência dos profissionais, a fim de evitar que um desligamento comprometa avanços já conquistados dentro
da empresa.

O Papel – Como as empresas brasileiras se situam nessa realidade atual, incluindo as demandas impostas pela era da internet?
Graciotti – Gestão do conhecimento ainda é uma expressão esotérica no mercado brasileiro. Com exceção de líderes de mercado e multinacionais, um pouco mais adiantadas nas práticas desse conceito, avalio que as empresas brasileiras em geral ainda estão engatinhando no tema. A maioria dos profissionais não conhece o termo. Isso demonstra que ainda não se deu a devida
importância à gestão do conhecimento, inclusive para sobreviver a períodos de crise como o que estamos vivendo. A crise tende a durar por alguns anos, já que certas medidas tomadas agora serão inevitavelmente incorporadas na realidade dos próximos anos. É preciso, cada vez mais e de forma contínua, adaptar-se a um mercado mais competitivo entre as próprias empresas e muito mais exigente por parte dos clientes. Um dos grandes méritos da gestão do conhecimento consiste na capacidade de definir a sobrevivência das empresas no futuro. As companhias que fizerem o uso correto da gestão do conhecimento terão, durante um bom tempo, vantagem competitiva e melhor posicionamento no mercado.

O Papel – Quais são as tendências relacionadas às práticas de gestão do conhecimento? O que o senhor vislumbra para os próximos anos?
Graciotti – As tendências passam obrigatoriamente por tecnologia. Os avanços tecnológicos têm caminhado de maneira absurdamente acelerada. Hoje em dia, fala-se de forma bastante prática de inteligência cognitiva, o que até cinco anos atrás era ficção. A tecnologia certamente será parte indispensável desse processo de amadurecimento da gestão do conhecimento no futuro próximo. Vale reforçar, porém, que as empresas precisam estar atentas à evolução tecnológica e também ao capital intelectual. Esses são dois pontos primordiais para a competitividade dos próximos anos.

Leave comment

Posts